Mal terminou o carnaval e a Prefeitura do Rio divulgou que neste ano a cidade teve, mais uma vez, um número recorde de foliões – 5,3 milhões – além de uma estranha redução de 24% no volume de resíduos recolhidos durante o mesmo período de 2011.
Neste ano resolvi fazer uma cobertura um pouco diferente dos anos anteriores, mostrando que o problema do lixo na cidade pode durar mais que os 4 dias de carnaval.
Quem acompanha este blog viu que em 2010 e 2011 o foco dos posts de carnaval se restringiam a avaliar a poluição da cidade durante a passagem dos blocos de rua. Minha decisão de fazer uma abordagem diferente neste ano partiu do momento em que fui surpreendido por uma imagem na saída da estação do metrô, na praça General Osório em Ipanema. Como pode ver abaixo, não é nada diferente do que vi nos anos anteriores:
Para não passar este 3º ano dizendo as mesmas coisas: sobre o uso desnecessário desses packs de plástico para latinhas; sobre a proibição que deveria existir para garrafas de vidro; sobre a falta de criatividade e incentivo da cervejaria que patrocina o evento para reduzir o desperdício, entre outras coisas, resolvi mostrar o problema do lixo no Rio de Janeiro sob a visão de um turista que visita a cidade durante o carnaval.
Praia de Ipanema
Nada menos que uma das praias mais procuradas por turistas de todos os cantos do mundo. Durante estes dias de carnaval o mar estava limpo, calmo e com a água bem gelada na maioria dos dias. A praia estava bem cheia e os ambulantes faziam a festa dos banhistas vendendo bebidas e comidas variadas. Tudo muito bem, mas por outro lado eu percebi que havia muitas lixeiras concentradas no calçadão e quase nenhuma nas areias, sendo que a maioria das lixeiras que estavam nas areias transbordava com o excesso de lixo. A conseqüência disso mais a falta de consciência das pessoas é igual a muito lixo espalhado pela areia.
Se não bastasse o lixo nas areias, no meio da tarde fui surpreendido por uma “língua negra” e fétida de pura poluição que invadiu toda a praia, como poder ver na foto e no vídeo abaixo.
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No dia seguinte, assistindo ao telejornal local, vi uma entrevista com uma técnica do INEA - Instituto Estadual do Ambiente dizendo que os banhistas poderiam ficar tranquilos, pois pela aparência da água tratava-se de algas. Ela que me desculpe, mas até onde eu sei algas não produzem latinhas de alumínio, tampinhas e sacos plásticos.
Pedra do Arpoador
A pedra do Arpoador (à esquerda na foto) é considerada por muitos, inclusive eu, um dos melhores pontos para se ver o pôr do sol do Rio. É um lugar incrível, daqueles que você enche um cartão de memória da câmera com fotos do mesmo lugar, com luzes e cores que mudam a cada clique.
O único problema na pedra do Arpoador é o lixo. Até existe uma lixeira no ponto mais movimentado da pedra, mas como verá na foto abaixo não cabe mais nada nela. Com isso as pessoas acabam jogando o lixo próximo a ela ou no chão mesmo, espalhando resíduos diversos pelos cantos das pedras que com o vento e as ondas podem ir para o mar.
Em 2011 a prefeitura disponibilizou 600 lixeiras durante o período do carnaval, neste eles disseram que dobraram este número. Pelo visto esqueceram dos pontos turísticos.
Praia Vermelha (Caminho do Bem-te-vi)
O Caminho do Bem-te-vi (Pista Cláudio Coutinho) circunda a face sul do Morro da Urca margeando o mar. A pista está situada numa APA – Área de Preservação Ambiental, possui aproximadamente 1.300 metros de extensão e é um lugar muito procurado pelos cariocas para fazer caminhadas e também pelos aventureiros que fazem trilhas ou escaladas no Morro da Urca.
Todo o percurso do Caminho do Bem-te-vi possui lixeiras, mas o mesmo problema visto na Pedra do Arpoador acontecia aqui, absolutamente todas as lixeiras estavam transbordando:
As fotos mostram o resultado disso, lixo espalhado no chão. A imagem abaixo mostra uma garrafa PET jogada por alguém na vegetação, a aproximadamente 8 metros do chão.
A imagem abaixo mostra a visível sujeira no mar, com muito material plástico, incluindo sacolas e tampinhas.
E tudo isso numa APA, imaginem se não fosse?
Urca
A Urca é um bairro tradicional do Rio, berço de vários artistas da era de ouro do rádio, um lugar charmoso e que oferece uma visão privilegiada da cidade, além de ser bem tranqüilo e ter também um clima muito agradável.
A foto abaixo é de uma parte da Marina da Urca, charmosa com seus barquinhos coloridos:
As fotos a seguir também são da Marina da Urca, visualizada mais de perto:
À beira da mureta, onde passei algumas horas sentado tomando uns goles de cerveja e apreciando a paisagem, notei que haviam tubulações, que provavelmente são de águas pluviais. Uma dessas tubulações despejava constantemente uma água fedorenta entre as pedras, onde um grupo de ratazanas brincava tranquilamente. Infelizmente eu não consegui tirar uma foto disso, pois já estava anoitecendo, elas eram muito ágeis e eu já estava com meus reflexos afetados pela cerveja. Quem estiver no Rio e quiser conferir isso basta se acomodar na mureta, em frente a cabine da Polícia Militar (veja aqui), no fim da tarde.
Ilha de Paquetá
A Ilha de Paquetá é um bairro do Rio no meio da Baía de Guanabara. Para chegar à ilha basta embarcar numa barca na estação da Praça XV, no Centro do Rio, e apreciar a paisagem durante 1 hora de viagem pelos 15 km que a barca percorre até o destino final. Paquetá possui cerca de 4.500 moradores, estima-se que 50% dos domicílios são de veranistas que visitam a ilha durante as férias, feriados e finais de semana. Somando-se aos moradores e veranistas estão os turistas e visitantes que vão passar o dia por lá. A ilha oferece uma boa estrutura para turistas, com hotéis, pousadas, bares e restaurantes, além de atrações como passeios de bicicleta e charrete.
Chegando a Paquetá tirei esta foto de uma balsa que estava saindo da ilha transportando dois caminhões da Comlurb - Companhia Municipal de Limpeza Urbana.
Até aí tudo certo. Além do cuidado com o lixo a ilha possui um sistema de tratamento de esgoto pioneiro no Brasil, atuando desde 1912. Mesmo sabendo de tudo isso era inevitável não perceber a quantidade de lixo nas praias de Paquetá, praias essas que são consideradas pela prefeitura e pela mídia próprias para banho. Você nadaria ao lado de sacos plásticos, da metade de um peixe morto ou de um pacote de preservativo? Veja abaixo a foto e também o vídeo e me responda se você entraria nessas águas:
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Lixo o ano todo
Infelizmente não é só no carnaval que vemos lixo espalhado pelo Rio de Janeiro, a única diferença que acontece neste período é o aumento do volume. Os bairros que mostrei acima não foram escolhidos por algum motivo especial, eu simplesmente fotografei os lugares por onde estive e em todos eles havia algum descaso com relação ao lixo. Alguém poderia me perguntar se isso acontece por causa do carnaval, a resposta é não.
Em junho de 2011 publiquei aqui um post mostrando a sujeira que o mar devolveu para as areias em Copacabana, Ipanema e Arpoador. Quem é do Rio sabe que durante todo o ano o problema com o lixo é permanente, seja do Leme ao Pontal.
Conscientização
Dias antes do carnaval deste ano a Deutsche Welle publicou um artigo meu (veja aqui) abordando o problema do lixo durante o carnaval do Rio e também do comportamento das pessoas. É fato que muitos jogam o lixo no chão, nas areias, pela janela dos carros ou seja lá onde for. Por outro lado, muitos jogam o lixo aonde deve ser jogado, mas a coleta não é eficiente – as fotos que publiquei mostram isso.
Os órgãos públicos precisam investir em campanhas de conscientização sobre o descarte correto de lixo, o reaproveitamento de materiais e, principalmente, sobre desperdício. Tivemos neste ano mais um carnaval sem uma única campanha sobre isso. A campanha de conscientização que existe atualmente no Rio e que chega mais perto de resolver o problema do lixo é o projeto Onda Limpa, realizado pela Comlurb. Este projeto está presente há 3 anos nas praias da orla carioca e atualmente em algumas comunidades carentes. Os colaboradores distribuem nas praias cartilhas explicativas e sacos plásticos para que os banhistas depositem seu lixo, além de convidarem as crianças para brincadeiras educativas.
Fiquei uma semana inteira indo na praia e não vi rastro deste projeto, mas ele existe. Mesmo assim acredito que muito mais poderia ser feito. A campanha não visa à redução dos resíduos nas praias, apenas o destino certo para eles, além disso, o projeto só atua durante o verão, sendo que as praias do Rio têm um movimento menor em outras estações, mas ainda assim são movimentadas o ano todo.
Política
Enquanto isso o Secretário de Conservação e Serviços Públicos afirmou nesta notícia do Jornal do Brasil que os foliões produziram menos lixo neste carnaval, totalmente ao contrário do que aconteceu nos últimos 3 anos. Como assim secretário? Por livre e espontânea vontade eles deixaram de produzir lixo, sendo que a maior parte do lixo presente nas ruas poderiam ser evitados?
Esses favoráveis números que apontam a redução do volume de lixo no Carnaval do Rio me parecem apenas “números amigáveis” para a mídia, até porque a imprensa internacional começou a se interessar pelo assunto e o Rio, como bola da vez, tem que fazer bonito, nem que seja só no papel, na TV ou na Internet. Deixando os números e porcentagens de lado, vale mesmo o que se vê nas ruas. Vi muito lixo, ausência de coleta, de consciência das pessoas e de campanhas que incentivem a população a mudar suas atitudes.
Estamos diante da cidade que receberá este ano a Conferência Rio+20, que abordará temas sobre desenvolvimento sustentável, desenvolvimento social, preservação ambiental entre outros temas que contradizem o que se vê no dia-a-dia da cidade. É preciso agir e estimular a população, ser menos político e parar de usar a imprensa para empurrar pela goela do povo números que não limpam o lixo espalhado pela cidade.