Não demorou para a política brasileira copiar mais uma das leis existentes em alguns países da Europa e adaptá-la aos “interesses da nação”. Trata-se da Lei Federal 12.587 de Mobilidade Urbana, sancionada pela presidente Dilma no dia 3 de janeiro deste ano. A lei representa um grande avanço sobre este assunto em nosso país, mas é atropelada por alguns exageros e também se levarmos em consideração a contraditória prática do nosso governo em outros assuntos.
Alguns veículos de comunicação divulgaram na última semana a notícia sobre essa nova lei, levantando a polêmica dela permitir a instalação de “pedágios urbanos” nos municípios, como forma de diminuir o trânsito de automóveis, estimular o uso do transporte coletivo e reduzir a emissão de poluentes. Seria perfeito demais para ser verdade, mas sabemos muito bem como anda o transporte coletivo no Brasil, na verdade não anda.
Abaixo algumas das principais diretrizes da nova lei:
- Os tributos arrecadados pelo pedágio urbano serão destinados ao transporte coletivo, como a concessão de subsídio público à tarifa;
- Os municípios poderão taxar o uso excessivo de automóveis em áreas de congestionamento;
- União, estados e municípios poderão restringir e controlar o acesso e circulação, permanente ou temporário, de veículos motorizados em locais e horários predeterminados e também estipular padrões de emissão de poluentes para locais e horários determinados, podendo condicionar o acesso e a circulação aos espaços urbanos sob controle;
- União, estados e municípios poderão dedicar espaços exclusivos nas vias públicas para os serviços de transporte público coletivo e modos de transporte não motorizados, além de controlar o uso e a operação da infraestrutura destinada à circulação do transporte de cargas;
- Os municípios com uma população superior a 20 mil habitantes terão que elaborar planos de mobilidade urbana. Os municípios terão até 2015 para se adaptar, do contrário ficarão sem o repasse dos recursos federais destinados a esse setor.
A proposta da lei é excelente e inovadora no Brasil, mas eu pergunto: Como pode um governo sancionar uma lei dessas mantendo o descarado estímulo a compra de automóveis pelo consumidor?
Pois é, estamos diante dessa situação patética. Sinceramente, se o governo estivesse realmente preocupado com o nosso transporte público, teria investido nisso. Sem contar que poderia aumentar os impostos dos veículos motorizados e baixar (ou zerar) o de veículos alternativos, como a bicicleta que hoje tem uma tributação de 45,93%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT.
Partindo agora para a lei. Quero questionar dois pontos das diretrizes desta Política Nacional de Mobilidade Urbana, a começar pelo polêmico pedágio urbano.
PEDÁGIO URBANO
Se avaliarmos pelo ponto de vista de desestimular o uso de veículos automotores e utilizar a arrecadação para subsidiar a tarifa do transporte público, ótimo, é um grande avanço. Mas além do problema inicial – da “força” que o governo dá para a indústria automobilística – temos também a intolerância na cobrança desta tarifa. O pedágio urbano poderá cobrar a tarifa de qualquer veículo motorizado, não importando se é carro ou moto e se o veículo é movido a gasolina, GNV, híbrido ou por qualquer fonte de energia renovável. Tem motor e rodas, é taxado.
Um modelo de mobilidade urbana que serve de referência em todo o mundo é o de Londres, e não é muito diferente do nosso em relação ao seu pedágio urbano. O modelo foi implantado por lá em 2003 com o mesmo intuito, de reduzir o número de veículos em uma determinada área da cidade e estimular o uso do transporte público. A diferença por lá é que não se cobra o pedágio urbano de motos e nem de veículos movidos a biodiesel, GLP, elétricos, entre outros não poluentes. Dessa forma eles também estimulam o uso de veículos menos poluentes, mas na verdade eles nem precisavam fazer isso e poderiam ter uma lei tão ou mais intolerante que a brasileira, pois antes de 2003 Londres já possuía um dos mais eficientes transportes públicos do planeta, além da maior malha de metrô, equivalente a 408 km, quase a distância entre Rio e São Paulo. Apenas uma linha do metrô de Londres, a Central Line com 83 km, supera a extensão de todo o sistema de metrô da cidade de São Paulo, que tem 60 km de trilhos.
E por que no Brasil, um país com transporte público tão precário, a lei é tão intolerante e irá cobrar de todos que tem qualquer tipo de veículo? Parece que os números cegam o governo. Muitos continuarão comprando veículos, como motos, para se deslocar. O problema do transporte público brasileiro não irá se resolver com uma lei. A intolerância na cobrança deste pedágio dá a entender que o governo só está pensando em “arrecadação”, não em soluções coerentes com a realidade que nos encontramos.
PLANO DE MOBILIDADE URBANA PARA MUNICÍPIOS COM MAIS DE 20 MIL HABITANTES
Todos nós sabemos que o caos de mobilidade urbana do país está localizado nos grandes centros urbanos, como Rio e São Paulo, e outros modelos de mobilidade que existem pelo mundo também focam especificamente nos grandes centros. Então por que esse exagero no Brasil? Algumas cidades com essa população nem têm um sistema de transporte público coletivo, mas a lei destaca isso no Artigo 23, Inciso IV, §2º :
- "Nos Municípios sem sistema de transporte público coletivo ou individual, o Plano de Mobilidade Urbana deverá ter o foco no transporte não motorizado e no planejamento da infraestrutura urbana destinada aos deslocamentos a pé e por bicicleta, de acordo com a legislação vigente"
Atualmente apenas os municípios com mais de 500 mil habitantes eram obrigados a ter planos de mobilidade, mas agora isso muda. De qualquer forma a exigência que essas pequenas cidades elaborem seus planos Diretores e de mobilidade urbana é muito estranha, talvez precipitada. No momento só dá para prever uma explosão no mercado das consultorias privadas, pois a maioria dessas cidades não terá capacidade técnica para fazer este tipo de planejamento.
O QUE ESPERAR DESTA LEI?
Se executada, fiscalizada e aceita pela sociedade, ganharemos muito. De qualquer forma o governo precisa mudar sua política de incentivo a compra de automóveis, do contrário esta lei não fará o menor sentido e se tornará apenas uma máquina de arrecadação. Além disso, acho primordial a realização de campanhas de conscientização sobre o uso de transportes alternativos, caminhadas, caronas e também o uso do transporte público, por mais precário que ainda esteja.
Esta lei deveria abrir exceções de tributação para veículos menos poluentes, como é feito em Londres. Isso forçaria a indústria automobilística nacional a investir mais nesse conceito. Somos um país que se gaba por ser referência em biocombustíveis, por que deixar de estimular isso na nova lei?
Para finalizar, a lei também trata dos direitos dos usuários do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana, garantindo a participação no planejamento, fiscalização e avaliação da política local de mobilidade urbana e permitindo que o usuário seja informado, de forma gratuita e acessível, sobre os itinerários, horários, tarifas e modos de interação com os outros modais de transporte. Fica bem claro que a lei depende da aceitação da sociedade para “pegar”. Você acha que essa lei pega?
Para conferir na íntegra as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, clique aqui.