
Há alguns dias eu postei no Twitter uma foto registrada durante um passeio pela unidade do SESC em Barra Mansa – RJ. Acreditei que poderia ser um evento raro presenciar pela manhã algumas capivaras descansando sob a sombra de uma árvore às margens de um rio tão mal tratado pela poluição e pelos desastres ambientais. Mas ontem quando voltei ao mesmo lugar percebi novamente a presença destes roedores, só que desta vez um grande grupo de 16 capivaras, entre adultos e filhotes, passeando calmamente pelas margens do rio Paraíba do Sul.
Muitos poderiam dizer que isso é normal, até porque as capivaras têm muitos filhotes e que no trecho de cidades eles não possuem predadores naturais. Mas levando em consideração o esgoto bruto e os resíduos tóxicos que são lançados diariamente neste rio, a falta de consciência da população e os últimos desastres ambientais, percebemos que estes e outros animais não vivem no rio, eles sobrevivem ao rio.
Antes de apresentar as fotos que fiz ontem, preciso falar um pouco sobre a importância do rio Paraíba do Sul e sobre os problemas que ele já enfrentou, só assim é possível entender porque me impressionei com a presença destes animais às margens do rio.
O Rio Paraíba do Sul
Este rio nasce na Serra da Bocaina, no Estado de São Paulo, e percorre um trajeto de 1120 km até a foz, em Atafona, no Norte Fluminense. A sua bacia hidrográfica é uma das três maiores do país, com uma área aproximada de 57.000 km².
No Estado do Rio de Janeiro ele percorre 37 municípios e, através da maior transposição do Brasil que desvia dois terços de sua vazão para o Rio Guandu, garante o abastecimento de água para mais de 12 milhões de habitantes da Região Metropolitana, além de fornecer pescado e ser utilizado na agricultura e pecuária das regiões de seu entorno.
O rio é margeado por importantes rodovias federais, como a Rodovia Presidente Dutra (BR-101) e a Rodovia Lúcio Meira (BR-393), além de uma significativa malha ferroviária. Às margens do trecho entre os municípios de Resende, Barra Mansa e Volta Redonda a ocupação industrial é predominante, encontrando-se indústrias siderúrgicas, químicas e alimentícias.
Descaso, desastres e afins
Foto: O Globo online
Com essa grande ocupação de indústrias às margens do rio já era de se esperar que em algum momento algo ruim acontecesse. O pior é que acontece e com uma freqüência muito maior do que imaginamos. O histórico de acidentes é antigo e a maioria deles não ocorreu diretamente no Rio Paraíba do Sul, mas em seus afluentes. Abaixo estão alguns dos principais desastres citados por um relatório da FIPERJ (Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro):
- 1982 – Vazamento da Cia. Paraibuna de Metais, com o rompimento de um dique de contenção de rejeitos no Rio Paraibuna, que carreou resíduos de metais pesados (cromo e cádmio) e outras substâncias tóxicas, contaminando o Rio Paraíba do Sul desde a confluência com o Paraibuna até a foz;
- 1984 – Acidente rodoviário em que um caminhão despejou 30 mil litros de ácido sulfúrico no Rio Piabanha;
- 1988 – Vazamento de óleo ascarel contido em 3000 litros de água utilizada para apagar o incêndio de transformadores na Thyssen Fundições;
- 1989 – Acidente com um caminhão tanque de metanol que despejou o produto no rio, na altura de Barra do Piraí;
- 2003 – Vazamento de mais de 20 milhões de litros de soda cáustica no Rio Pomba, provenientes da Indústria Cataguazes de Papel. Acidentes de menores proporções ocorreram também em 2006 e 2007, sob a responsabilidade da mesma indústria.
Foto: Ricardo Terra
Eu acredito que os maiores desastres ambientais ocorrem todos os dias. Praticamente todas as cidades do entorno lançam seu esgoto bruto no rio. Sem contar as pequenas empresas, como lavanderias, tinturarias e até matadouros que também fazem seu trabalho. Outro aspecto importante tem a ver com a própria população que ainda lança lixo e outros materiais dentro do rio. Falo isso porque cresci às margens deste rio e já vi de tudo, desde garrafas pet, sacos de lixo, até sofás e geladeiras. Para se ter idéia de como isso é comum, veja abaixo o registro recente do fotógrafo Gabriel Borges de um sofá preso entre as pedras do rio:
O pior é que o tempo passa e nada muda, pois quando vou a Barra Mansa ainda vejo muita sujeira no rio. Mais adiante você verá a presença de lixo ao lado do grupo de capivaras.
Repare no detalhe desta foto que tirei ontem. Ao lado da Ponte dos Arcos (cartão postal da cidade de Barra Mansa) podemos ver uma enorme manilha que lança esgoto no rio Paraíba:
O termo "bosta mansa", criado por alguns piadistas, faz todo sentido ao olhar esta imagem.
É triste, mas mesmo diante de todos esses fatos a natureza ainda nos presenteia com momentos assim:
Grupo de capivaras às margens do rio Paraíba do Sul no trecho de Barra Mansa - RJ
Grupo de capivaras em meio ao lixo nas margens do rio
Adultos e filhotes
Grupo de filhotes
A capivara é um animal silvestre, portanto constitui crime ambiental a caça deste animal. Segundo o artigo 29 da Lei Federal de crimes ambientais, constitui crime “matar, perseguir, caçar ou apanhar espécimes da fauna silvestre sem a devida permissão, licença ou autorização”. A autuação é de R$ 500 para cada animal caçado e a pena pode variar de 6 meses a 2 anos de prisão. As denúncias de caça podem ser feitas ao IBAMA pelo telefone: 0800-618080
Para finalizar esta postagem vou deixar uma sugestão literária lançada em outubro de 2010, o livro “Paraíba do Sul – História de um Rio Sobrevivente”. Ainda não tive a oportunidade de ler este livro, mas pelo que diz na reportagem do Estadão a proposta tem tudo a ver com o que eu disse neste post. Veja aqui.